Histórias de escavação

Hm sonin bão


  Opa, boa noite pra geral! Aqui estou eu mais uma vez escrevendo pro blog, dessa vez pra compartilhar com vocês um pouco do que é ser arqueólogo. Recentemente tive uma experiência de campo (meu último dia foi hoje), foram quase três semanas de escavação, e eu vim contar algumas histórias! Infelizmente, não posso compartilhar detalhes sobre os achados nem nada assim, mas nada me impede de falar das pérolas, né?

  Só pra dar um pouco de contexto, a escavação foi no Palácio de São Cristóvão, o famoso Museu Nacional, onde eu já trabalho em um dos laboratórios, mas nunca tinha tido contato com as escavações. Pois bem, agora eu tive, então vamos pras histórias!


1 - "Você por aqui?"

  Inicio essa história lembrando que eu trabalho no laboratório, sob chefia de um certo professor famosinho cujo nome não vou citar. A questão é: eu fujo desse professor tal qual o Diabo foge da cruz. Se eu sou um vampiro, ele é o alho. Não me entenda mal, não é que eu não gosto dele, a questão é que eu sou o Seu Madruga e ele é o Sr. Barriga, só que ao invés do aluguel, o assunto da cobrança é a minha monografia.

  Pois bem, estava eu, tranquilo, com meu capacete na cabeça, minha máscara no rosto pra proteger da poeira, e minha colher de pedreiro em mãos, escavando, com altas esperanças em busca de faianças. De repente, chega a chefe da escavação (que é uma pessoa incrível e eu não tenho nenhuma reclamação a fazer) cumprimentando a equipe, e todos nós respondemos com empolgação, porque todos gostam dela. Eu estava sorrindo, até, mas meu sorriso morreu assim que vi quem estava atrás dela igual um encosto, um espírito obsessor. A energia do ambiente até pesou (e olha que o lugar onde a gente estava escavando tinha sido uma capela).

  "Pessoal, esse aqui é o Prof. Gerson (nome fictício), ele veio aqui dar uma olhadinha no andamento da escavação!"

  Alguns apenas concordaram com a cabeça. Outros, se mantiveram neutros. Eu quase infartei pela segunda vez em meus curtos anos de vida. Nossos olhares se cruzaram. Ele não falou nada.

  Respirei aliviado. Felizmente, eu estava de máscara e cabelo preso, logo, ele não me reconheceu. "Enganei a morte", pensei. Mas, como já dizia William Bludworth, "quando você engana a morte, as coisas ficam complicadas."

  Logo, Prof. Gerson invocou todos em uma rodinha, querendo conhecer a equipe. Perguntou o nome de um por um. Chegou minha vez, e eu, com a mente tão inocente quanto a de uma criança e o coração tão puro quanto a água cristalina de uma fonte potável na Noruega, nem sequer pensei na possibilidade de dizer outro nome. Eu podia ter sido Jorge. Podia ter sido Tadeu, Carlos, Rogério... Mas não. Eu respondi James.

  "Caramba, nossa, você tá aqui?! Eu nem te reconheci!"

  "É, professor, pois é, eu tô aqui, por isso não tenho ido ao laboratório."

  Foi difícil manter a voz calma na hora de dar a resposta, por dentro eu só queria pegar o meu canivete e cortar minha garganta. Ou a dele. Mas tudo que é ruim pode piorar...

  "Vem cá, posso falar com você em particular, rapidinho?"

  Respirei fundo. Respondi que podia. E assim, mais uma vez, Seu Madruga teve o aluguel cobrado. E novamente, como sempre, Seu Madruga deu um olé e não pagou.

  Mas um dia vai ter que pagar.


2 - O fantasma da Princesa

  Como todos devem saber, o Palácio de São Cristóvão fica localizado na Quinta da Boa Vista, um parque amplo, cheio de árvores, e com vários caminhos. Todos os dias, no horário do almoço, a equipe fazia um trajeto do Palácio até o Horto Botânico, já que lá fica um restaurante (cujo dono é um golpista safado, mas isso é história pra outro dia).

  Pois bem, fomos almoçar como sempre, tomando cuidado pra não levar golpe do homem, e depois de um breve descanso, começamos a caminhada de volta pro Palácio. No caminho, o grupo foi alegremente abordado por uma cachorrinha branca, que aparentava ter cerca de 8 meses de idade. Ela abanava o rabinho enquanto pedia carinho a todos, mas no pescoço dela, havia uma corrente. Recém abandonada, uma pessoa próxima informou. Levamos ela conosco até a entrada da obra, onde fica a salinha dos capacetes, local sem risco nenhum pra cachorrinha, que aliás, me lembrou muito a minha Misty em questão de personalidade, só que ela é a versão shiny. Enfim, essa parte onde ela ficou não tem acesso aos canteiros de obra e nem aos sítios de escavação, mas uma das portas do Palácio ali fica constantemente aberta.

  Um dia se passou, e na manhã seguinte, ao chegar, descobrimos que nomearam a cachorrinha de Leopoldina, o nome perfeito praquela fofurinha que agora vivia próxima ao Palácio. Brincamos um pouco com ela de manhã, e fomos trabalhar. Depois almoçamos e voltamos, procedimento normal. Até que uma das colegas abre um sorrisão e diz:

  "Ih, olha lá a Leopoldina saindo de dentro do Palácio!"

  Com esse comentário, outra colega se assombrou e olhou rapidamente, e então caiu na gargalhada ao ver que se tratava da cachorrinha, e não do espírito da Princesa Leopoldina.

  Acho que ela inalou poeira demais...

  (Obs: Depois, Leopoldina foi adotada!)


Leopoldina my beloved <3


3 - O mistério dos ajudantes

  Acho que é um pouco óbvio que, quando você escava um lugar e retira sedimento, esse sedimento precisa ir pra algum lugar. Pra isso, nos primeiros dias de escavação a gente tinha os ajudantes, dois não-arqueólogos cuja função era pegar nossos baldes cheios de terra, levar pro carrinho, e dar um destino pra esse sedimento. Começou assim, passamos uns dois dias vivendo em harmonia. Depois de dois dias, um dos ajudantes desapareceu e o outro se revoltou, deixando o carrinho na capela e fazendo a gente encher o carrinho com a terra, levando dali só quando estivesse cheio.

  A questão é que, passando mais um dia, isso também acabou. Nosso último ajudante desapareceu, mas restou o carrinho. Com ele cheio, sem ter ninguém pra levar a terra até seu destino, começamos a colocar o sedimento em um canto do chão, a mando da supervisora. Supostamente, alguém iria lá no final do dia tirar a terra. E realmente, isso aconteceu, mas durou pouco.

  No outro dia, já não tinha mais carrinho. O sedimento era colocado no chão, e um pequeno morro começou a se formar. E os dias passaram. E ninguém tirava a terra dali. E o morro crescia, aos poucos se tornando uma pequena réplica do Everest. E os ajudantes seguiam desaparecidos.

  Hoje, no meu último dia de escavação, o morro ainda estava lá, intacto. E eu caí em cima dele porque me desequilibrei na hora de virar o balde, mas essa parte a gente corta da história.


Um pequeno pedaço do monte de terra que ficou.
É muito maior que isso, eu juro.

4 - Caravana santa?

  Essa história se inicia no Horto Botânico, na hora do almoço. Todos já estavam devidamente alimentados, e paramos pra descansar dentro do prédio. No meio, ficava uma mesa com alguns livros disponíveis pra pegar e levar, bem como uma caixa com alguns bastões de trilha feitos de bambu, também disponíveis pra quem quisesse levar. Sendo assim, dois dos meus colegas pegaram bastões, competindo qual dos dois tinha o maior, e nesse momento se iniciou o temido retorno à quinta série. Durante todo o caminho de volta ao Palácio, ouvimos diversas piadas sobre pau, de uma criatividade invejável, mas também de uma falta de maturidade imensa. Mas, como somos todos adultos, assim que chegamos na obra eles deixaram seus paus de lado e focaram no trabalho. Acontece que eles são adultos só enquanto escavam.

  Assim que a supervisora anunciou que o expediente se aproximava do fim, os dois rapidamente arrumaram seus pavimentos, e logo voltaram a dar atenção a seus respectivos paus, o mesmo 1/4 de neurônio sendo dividido entre os dois rapazes. Depois de uma breve demonstração de esgrima e uma bela performance de um cover de "roubaram meu pau" de Rogério Skylab, a equipe se preparou pra ir embora. Metade foi pra um lado, e outra metade seguiu pela Quinta da Boa Vista em direção à saída que dá no metrô.

  É claro, eu estava nesse grupo, assim como meus dois colegas portadores do pau, e mais umas quatro pessoas. Caminhamos em grupo pela Quinta, sempre conversando, e a dupla dinâmica carregando e exibindo com orgulho seus grandes pedaços de bambu. De repente, um homem passou por nós, desacelerando o caminhar e encarando, perplexo, confuso... Com uma seriedade inesperada (mas que não ocultava o deboche), e talvez até com um quê de indignação, aquele homem questionou: "o que é isso, é caravana santa?"

  E com isso, seguimos aos risos até chegar na estação de metrô.


5 - O churrasco da obra

  Ao entrar no local da obra, passando só um pouco da salinha de capacetes, é possível ver uma grande placa com os dizeres: "Estamos há x dias sem acidentes de trabalho. O recorde é de x dias."

  No momento dessa história, pra alegria de todos, o número que constava nas duas lacunas era 365. Um ano inteiro sem acidentes de trabalho. Isso, obviamente, se tornou motivo de comemoração, e foi organizado um churrasco. Surpreendentemente, a equipe de arqueologia foi convidada, provavelmente porque nossa chefe é maravilhosa e todos gostam dela. Sendo assim, nesse dia a obra acabou mais cedo, 12h, e todos seguiram pro churrasco.

  No nosso caso, apenas uma parte da equipe foi: eu, e mais umas seis pessoas. Chegando lá, já vimos logo qual era o naipe do negócio: as únicas opções de bebida eram cerveja ou cachaça. Lugarzinho raiz, mesmo.

  Pegamos nossos pratos de churrasco, eu peguei um copo de cachaça (detesto cerveja), o pagode estava uma beleza, eu acidentalmente revelei meu pagodeiro interior... Resolvi comer meu churrasco. Peguei o garfo de plástico. Fui pegar a faca de plás-- ué, não tem faca? Encarei aqueles pedaços grandes de carne. É, eu sou fresco, não gosto de comer sem usar faca. Olhei o canivete na minha cintura. Estava lavado? Não. Eu ia lavar? Também não. Tinha um banheiro bem ali, mas eu não queria levantar e lavar a lâmina só pra isso. Um pouco de poeira não faz mal, certo? Pensei "ah, fudido, fudido e meio." 

Meu canivete é lindão, ó!

  Abri o canivete e comecei a cortar minha carne. Fui encarado como se estivesse fazendo um grande absurdo. Mas ué! Na guerra, urubu é frango, não? Quem não tem cão, caça com gato. Na falta da faquinha de plástico, vai o canivete de campo. Em minha defesa, eu gosto de economizar carne pra sobrar no final pra comer pura, então prefiro sempre cortar em pedaços pequenos. Acharam que eu tinha feito aquilo por estar alcoolizado. Eu não estava alcoolizado.

  Mas fiquei depois. Tudo bem, eu sou neto de um paraibano cachaceiro alcoólatra (F for meu véi Rosalvo, que não foi de comes, mas definitivamente foi de bebes), mas até as pessoas mais resistentes têm seus limites. Afinal, todos ali estavam bebendo cerveja, algo fraco, e eu era o único que já estava no sexto copo de cachaça. Cachaça essa, aliás, que era 48% de teor alcoólico, fato que só fui averiguar quando já estava no quarto copo, mais ou menos. Pra quem tá curioso, era a Nova Aliança bálsamo. Enfim, fiquei levemente alcoolizado, mas nada demais. Trêbados estavam os pedreiros da mesa de trás, dançando entre si, todos os ritmos que tocavam (afinal, era um churrasco eclético: pagode, samba, forró e brega). Em um dos momentos do forró, um dos pedreiros pegou um triângulo e começou a tocar. E eu passei mal porque tinha esquecido que tomo remédio e não posso beber. Vivendo e se fudendo!

  Verdadeiramente, uma experiência inesquecível.


Atenção pro copinho de cachaça do lado do prato...
Essa é braba!


  Enfim, essas eram as histórias que eu tinha pra contar das três semanas de escavação! Espero que tenha gostado dessas pérolas e se divertido com a leitura. Qual história achou mais legal, ou mais doida? Comenta aí! Espero que tenha tido uma boa leitura. É nóis, e até a próxima!

 

Comentários

  1. Cachaça e canivete são uma dupla muito comum na vida de senhores que moram em chácaras. Quase que um estilo de vida

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  2. "Não foi de comes, mas definitivamente foi de bebes" POETA KSJSKSJSKSJKSSJ

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